Embora se comporte como um vereador e use a retórica para ganhar mídia, Arthur Virgílio Neto é chefe do Executivo Municipal; poderia tomar medidas drásticas para conter o Coronavírus, mas prefere atuar como “comentarista da crise”
Manaus contabilizava 1.771 mortes por Covid-19, em 29 de junho de 2020, quando o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), decidiu festejar a inauguração de um complexo viário na capital, que custou R$ 60 milhões. Contaminado pelo Coronavírus, ele reuniu uma multidão e fez festa, com direito a fogos de artifício. Horas mais tarde, foi internado em um hospital particular, em Manaus, com 25% do pulmão comprometido. Passado alguns dias, viajou de jatinho rumo ao luxuoso Hospital Sírio Libanês, onde ficou internado por 29 dias, em São Paulo.
Para aqueles que, muito provavelmente, foram contaminados no evento (pelo próprio prefeito, quem sabe) e, obviamente, não poderiam viajar de jatinho para um hospital luxuoso, a Prefeitura de Manaus deu um conselho, à época: “A população que compareceu ao local (festa de inauguração do complexo viário), caso apresente algum sintoma, poderá buscar atendimento preferencial e fazer a testagem para a doença na recém-inaugurada Clínica da Família Carmen Nicolau, localizada no bairro Lago Azul, Zona Norte”. Parece um deboche.
Não se sabe a lógica que leva um prefeito que “chora” em entrevistas a promover folguedo no meio de uma pandemia, com famílias enlutadas por mortos enterrados em valas comuns. Mas assim fez Arthur Virgílio Neto. É o mesmo personagem que decidiu fechar, antes da “festa do viaduto”, o hospital de campanha aberto pela Prefeitura de Manaus em parceria com empresa privada, para tratar de pacientes com Coronavírus. É o mesmo que, em maio, no auge da pandemia, resistiu à recomendação do Ministério Público do Estado de implementar um lockdown na capital, mas, agora, prega a medida. Ele sofre de bipolaridade?
Ao anunciar no dia 18 de setembro o fechamento da praia da Ponta Negra, como medida de controle para conter um novo avanço do Coronavírus, o prefeito afirmou, sobre o aumento dos números e a reabertura do comércio: “Essa pressa eu combati. Escrevi. Fiz Live. Avisei. Cansei de avisar”. A declaração define, de forma singular, o comportamento adotado pelo tucano durante a pandemia. Arthur virou uma espécie de “comentarista da crise”. Dá opinião, avisa, critica, como se não fosse, ele próprio, o prefeito da cidade.
Arthur sabe que fechar a praia da Ponta Negra gera impacto e mídia, mas não altera o ir e vir do cidadão, nem causa antipatia. Teria o prefeito coragem de fechar o acesso ao Centro de Manaus, cuja multidão ali concentrada todo dia é incontavelmente maior que numa faixa de praia? Aliás, quais são as ações práticas empreendidas por Arthur para acabar com a aglomeração diária dentro do transporte coletivo e nos terminais de ônibus? Quantas multas foram aplicadas pelo não uso de máscara, na capital? Mais: se está mesmo preocupado com o fluxo de pessoas, por que ele não decreta o fechamento de shoppings ou não vai à Justiça para esse fim?
No Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre, por exemplo, coube aos prefeitos das capitais assumirem o ônus sobre o fechamento e reabertura de shoppings, estipularem regras e estabelecerem fiscalização. Com números em alta, antes, também coube a eles mandar fechar lojas (lamentavelmente). Aqui, é visível que Arthur Neto não quer contato com ações que gerem desgaste, protesto ou revolta. Fica evidente a preocupação em preservar a própria imagem. É mais cômodo opinar, avisar, criticar, comentar.
Seguindo a estratégia de sempre, o prefeito ganhou mídia nacional esta semana ao propor um lockdown em Manaus. Mas ele próprio já disse que a medida teria como resultado a “rebeldia popular”. Arthur sabe que o confinamento não será decretado, mas também sabe que o assunto “rende” espaço na imprensa. Em rede social, aliás, ele expôs todas as manchetes que conquistou com a proposta. Talvez fosse esse o objetivo.
Em sã consciência, ninguém nega que todos devem redobrar os cuidados para evitar o contágio do Coronavírus ou disseminá-lo. É deplorável, entretanto, fazer uso de um drama coletivo para “surfar” na mídia, sem assumir ampla responsabilidade. Embora faça o papel de vereador, Arthur, vale lembrar, é chefe do Poder Executivo Municipal, mas optou por fazer “marketing” e usar a retórica para preencher manchetes. Pena que se trata de uma tragédia.
*André Alves é jornalista formado pela Ufam. Atuou em redações de jornais durante 16 anos. Foi repórter, editor-executivo e editor da coluna Sim&Não de A Crítica