Entre ataques da elite escravocrata e críticas da Igreja, O Pensador marcou a imprensa maranhense
Eduardo Gonçalves Ribeiro foi um dos fundadores do jornal O Pensador (Foto: Reprodução)
São Luís, tão bela em suas fachadas de azulejos multicores, tinha também os seus grandes problemas, potencializados, aliás, por uma forma de governo, a monarquia, que estava desgastada, que se fragilizava em todo o mundo e que, por aqui, sofria, cada vez mais, com a oposição republicana.
Por todo o Brasil surgiam jornais que expunham, com coragem e clareza, os desacertos e as contradições do governo. Na capital do Maranhão esse papel era cumprido pelo periódico O Pensador, fundado em 10/09/1880 por um grupo de jovens e valorosos intelectuais, dentre eles Aluísio Azevedo, Eduardo Gonçalves Ribeiro, Pedro Freire, Domingos Machado, Pacífico Cunha, Graça Aranha,Antonio Machado, Sá Viana e o tipógrafo Antonio Joaquim de Barros Lima, os quais contavam, ainda, com a valiosa colaboração do professor Manuel de Bethencourt. Em razão do teor explosivo do jornal, eles assinavam artigos, as matérias e poemas com pseudônimos, como Diderot, Marius, Pietro Garibaldino, Marquês de Pombal, Vanini e Sóror Pompadour.
A folha era iconoclasta, com orientação positivista, abolicionista, anticlerical, satírica e antimonarquista, um perfil francamente devotado às mudanças sociais que aquela década já impunha. Não demorou para que a Igreja reagisse. Nos sermões de domingo, padres falavam dos “ímpios”, e pediam cuidado com turma do Pensador, que zomba de Deus e insulta a autoridade constituída e, também, a autoridade do altar. “Muitos deles são membros da Maçonaria”, vociferavam.
Em determinada ocasião, após a publicação de um artigo mais contundente, Eduardo Ribeiro foi questionado por um rico e conhecido comerciante da cidade, que desconfiava de suas atividades clandestinas. “Ribeiro, és um rapaz inteligente, qual a razão de te juntares a essas pessoas que tanto odeiam a nossa fé, as nossas tradições?”. Eduardo serenamente lhe respondeu: “Não é ódio, meu senhor; é amor à verdade. O Pensador não se opõe à fé, mas ao seu uso para manipular e acomodar a população a uma ordem social e política cruel e injusta”.
Aquelas palavras tomaram a cidade. Alguns os chamavam de rebeldes, outros de visionários. Ribeiro, diziam os mais exaltados, esse negrinho petulante, é o pior deles…A elite, sobretudo a escravista, não via evidentemente com bons olhos as posições do jornal. Em uma noite, reunidos num sobrado de janelas altas, aqueles homens discutiam indignados: “Abolição, república… palavras de desordem! Quem alimentará essa nação sem nossos negros? Precisamos empastelar esse jornaleco e, se isso não resolver, devemos dar um fim nesses meninos, que estão ficando cada vez mais perigosos”.
Enquanto isso, na redação, entre tinta, papéis, tipos de chumbo e impressora manual, Eduardo escrevia mais um texto provocativo com a calma,porém, de quem sabia que remava contra a maré, mas que também tinha consciência de que tomara a direção certa da história. As edições seguintes trouxeram ainda mais polêmicas. O jornal era lido às escondidas por uns e, em voz alta, nas praças, por outros. Entre saudações e pragas, O Pensador se tornou um símbolo de resistência e um laboratório para seus integrantes, que daí a poucos anos, assumiriam lugares de relevo na sociedade e poderiam lutar por sua melhoria. Para rivalizar com ele o clero fez circular outro jornal, chamado de “Civilização”.
E assim, nas noites quentes e encantadas de São Luís, Eduardo Ribeiro firmava-se não apenas como jornalista, mas como um homem de ideias que, cedo ou tarde, iria transformá-las em ação. Ação que poucas vezes se viu na história deste país. O jornal O Pensador circulou por dois anos (1880 a 1881). O periódico se apresentava como “órgão dos interesses da sociedade moderna de São Luís do Maranhão, de propriedade de uma associação”. Foi editado pela Typographia Frias & Filhos e a redação estava localizada na rua da Palma, n. 30. A atuação de Eduardo foi tão marcante como jornalista que ele próprio acabou cognominado de “Pensador”.