Nas infecções respiratórias, antigripais cuidadosamente prescritos com amor e carinho roubam mesmo a cena.
Doenças são sempre uma experiência curiosa. Podemos perguntar a um tio como foi seu infarto e ele vai nos responder que sentiu uma leve dor do lado direito do peito e depois foi internado. Por outro lado, podemos descrever a experiência de uma gripe comum como a maior tragédia de nossas vidas.
Médicos são profissionais que nos fazem sentir bem, ainda que não nos curem, no sentido estrito da palavra. Médicos conseguem prever nossa chance de morte, e fazem uma intervenção precisa e calculada. Mesmo sem muita dor, e aparentemente bem, um paciente infartado precisa de diagnóstico rápido, para se submeter ao tratamento com drogas ou procedimentos invasivos que consigam dissolver o trombo que está entupindo sua artéria coronária. Sem isso, mesmo na ausência de muitos sintomas, a morte súbita ou uma grave sequela é certa.
É o início de 2022, e estamos quase todos, globalmente, vivendo alguma infecção respiratória, seja pelo novo coronavírus, pelo vírus da influenza ou algum outro vírus miserável, buscando espaço na mídia. Ainda que a vacinação completa contra a Covid-19, com três doses, reduza a quase zero a nossa chance de morrer pela doença, isso não quer dizer que não possamos ter sintomas absolutamente insuportáveis.
Tosse seca, dor de garganta, febre, diarreia e secreção nasal costumam se associar a um peso na cabeça, tão desagradáveis quanto qualquer catástrofe sanitária. A gente fica meio sedado, sem conseguir respirar ou falar direito, com uma secreção aprisionada que não quer sair da nossa cabeça. Perdemos o humor, o apetite e a graça de viver. Mesmo sabendo que não existe risco de morte, viver alguns dias deste jeito é uma punição muito grande para quem já prestou tantos serviços à humanidade.
Mas só depois de passar por isso algumas vezes, passei a cuidar melhor dos meus pacientes, dando-lhes a atenção devida e necessária na prescrição das chamadas medicações antigripais. Quem for a uma das milhões de farmácias brasileiras, encontrará gôndolas abarrotadas destes produtos tão diversos. Cada um exagerando mais do que outro na promessa de nos dar algum alívio imediato. O médico, ético, não quer receitar uma marca específica.
Os antigripais comerciais são coquetéis de medicações que procuram, de uma vez só aliviar os múltiplos sintomas das viroses respiratórias. Além de um anti-inflamatório que diminui febre e dores pelo corpo (paracetamol, nimesulida, ibuprofeno ou dipirona), os coquetéis adicionam algo que melhore nosso humor, como cafeína, e alguma medicação que diminui a congestão vascular na face, como pseudoefedrina ou isometepteno. Antialérgicos como clorfeniramina ajudam a deixar o combo mais robusto e eficaz. Por fim, embalagens chamativas propagandeiam uma noite de sono tranquila, com o benefício extra de não carecerem de receita médica para a venda.
Os pacientes mais abastados compram antigripais durante suas viagens ao exterior. Dizem que os remédios de lá funcionam melhor para aliviar os inevitáveis sintomas da gripe. Entre os menos viajados e que têm medo de remédios: caldo de galinha, chá com mel e limão, gengibre, jambu, crajiru e um pouco de conhaque barato.
O maior problema é que os sintomas voltam em algumas horas, o que contribui para que pacientes desacreditem de suas panaceias. Ora, enquanto o agente infeccioso persistir, por mais dias, cumprindo seu ciclo dentro de nós, os sintomas continuam. Portanto, os antigripais precisam ser repetidos com alguma frequência. Isso, em geral, não é falado para os pacientes na hora de serem orientá-los. Para falar a verdade, não me lembro de ter tido uma única aula sobre o tratamento das gripes, no curso de Medicina. Gastávamos muito tempo estudando sobre doenças raras e complicadas.
Há filmes que fazem mais sucesso pela atuação de seus atores coadjuvantes. Nas infecções respiratórias, cujo tratamento específico dos vírus praticamente não existe, antigripais cuidadosamente prescritos com amor e carinho roubam mesmo a cena.