Em sua crônica deste mês, a escritora Myriam Scotti fala sobre o novo livro do poeta Carlos Almir Ferreira
Por Myriam Scotti
QUEM?
Você quer que eu covid quem?
Já sei
Pode ser alguém que saiba aplicar vacina,
Que estude medicina,
Que compre cloroquina,
Ivermectina,
Que tome tubaína,
Que saiba de cor Morte e Vida Severina.
Depois, vou fazer uma festa do pijama clandestina,
Bem agitada e sacana,
Na UTI de um hospital da rede Sul-americana
São com esses versos desconcertantes que somos recepcionados pelo mais novo livro do poeta Carlos Almir Ferreira, Vinte Vinte Um, lançado pela editora paulista Penalux. A obra, escrita durante a pandemia e depois de sofrer a perda de seu pai, é dividida em dois capítulos. O primeiro, na verdade, é um grito de revolta e indignação contra toda a realidade distópica e pandêmica que o mundo vem experimentando, desde março de 2020. No segundo capítulo, o eu-lírico expõe a tristeza, entretanto, ora mesclada às memórias, ora às fagulhas de esperança, quase uma advertência de que é preciso continuar, apesar de...
Acompanho o trabalho de Carlos Almir há algum tempo e, mais uma vez, sua sensibilidade poética está em cada verso, em cada poema, em cada página. Escrever poesia, ao contrário do que muitos imaginam, não demanda inspiração e sim talento e trabalho artesanal. Para sair do lugar comum, do ordinário, é preciso ter habilidade para desviar a palavra do sentido tradicional e transformá-la em poesia. Por isso, não há tema que não possa se transformar em verso. Mas nem todo mundo pode se autodenominar poeta. Essa arte pertence àqueles que o simples prosear não dá conta. Obrigada, Carlos, por mais esse livro bonito.
Portanto, queridos leitores, convido a todos para conhecer e prestigiar a literatura amazonense. Vinte Vinte Um pode ser adquirido com o próprio autor, por meio de suas redes sociais.
Deixo, ao final, mais um poema para aguçar a curiosidade. Até mês que vem!
Lado a lado
Queria dar uma volta por aí ao teu lado
Sentir o dia como os namorados
Sem a máscara da agonia
Sem esse novo normal assustado
Queria poder viver de novo
Sem essa nostalgia
Ir ao cinema despreocupado
Depois ficar num bar lotado
até nascer o dia
Viver a vida sem tantos dilemas
Lockdown, quarentenas...
Mas, por outro lado, tem o dono do bar
O dono do cinema
Seus familiares e empregados
E suas famílias
É a fome e a pandemia lado a lado
Se ficar o vírus pega se correr morre de fome
Perfil
Myriam Scotti
É escritora, poeta e mestranda em literatura e crítica literária pela PUC-SP. Em abril, lançou seu novo romance “Terra Úmida”, vencedor do prêmio literário de Manaus 2020.