Leva tempo para se localizar, para se organizar. Leva tempo adaptar o corpo, o sono, a alimentação para uma vida mais ligada aos ritmos da natureza. E é durante esse tempo que passamos a aprender o caminho de uma vida mais feliz experimentando o simples.
Já percebo um movimento de pessoas planejando se mudar do apartamento para casa com quintal ou até da cidade para o campo, após o isolamento social. Isso me fez refletir sobre toda a minha jornada saindo de Manaus até chegar aqui no Sítio Gramado (no Vale do Ribeira/SP) e na minha transição de carreira do jornalismo para a jardinagem e agricultura natural. A vida é mesmo repleta de mistérios e surpresas, e após a pandemia, penso que muitos vão buscar refúgio em locais mais conectados com à natureza.
A transição da cidade para o campo foi uma escolha consciente minha e do meu marido. No começo, tivemos algumas dificuldades. Fiquei insegura em relação a escola adequada para as crianças, se sentiríamos falta do cinema, dos eventos sociais, das viagens de avião para passear nos feriados prolongados, e de outras facilidades que os centros urbanos nos trazem.
Quando mudamos para Juquiá, cidade pequena do estado de São Paulo, eu estava prestes a ganhar bebê, minha terceira filha. Alugamos uma casa na cidade enquanto meu marido corria enlouquecidamente para concluir a obra da casa no sítio. Nossos planos de mudar para a casa do sítio antes do parto não aconteceram: nos mudamos quando a Luna já estava com duas semanas de vida, com a obra ainda rolando – foi tudo meio caótico, mas a vida, às vezes, é caótica mesmo, e está tudo bem por isso.
Com o tempo, as coisas foram se organizando na minha mente e na nossa vida. Optamos por matricular a Sofia (que aparece na foto acima), na época com 6 anos, na escola municipal, e não nos arrependemos da escolha. A Luna (na foto mais embaixo), hoje com 2 anos e pouquinho, entrou esse ano para a creche, também municipal. A escola pública aqui é muito boa. A merenda é reforçada e o material didático de primeira qualidade.
Quase 2 anos e 6 meses morando no campo, devagar, estamos conseguindo concluir projetos importantes. Criamos a nossa horta, composteira, e agora, durante o isolamento social, estamos mais envolvidos do que nunca com as demandas do sítio: novos canteiros estão surgindo, desenvolvemos um projeto para o novo galinheiro, a estufa com sementeiras está linda, repleta de pequenos seres que vão nos alimentar nos próximos meses.
Mas nada disso, aconteceu de um dia para o outro. Leva tempo para se localizar, para se organizar. Leva tempo adaptar o corpo, o sono, a alimentação para uma vida mais ligada aos ritmos da natureza. E é durante esse tempo, que passamos a aprender o caminho de uma vida mais feliz experimentando o simples.
Sim, nossa vida mudou muito! Para irmos ao cinema, precisamos pegar o carro e dirigir por duas horas até São Paulo, onde ficamos na casa dos meus sogros - o que é uma delícia, um evento para as crianças e para eles também! E quando nossos amigos vêm nos visitar no sítio, é uma festa! Fazemos pizza no forno à lenha, abrimos um bom vinho, cozinhamos comida de roça.
E mesmo no dia-a-dia, sem hóspedes ou eventos especiais, buscamos fazer coisas que consideramos importantes para toda família, como acender fogueira nos dias frios, deitar na rede no final de tarde, admirar as estrelas em uma linda noite de Lua Nova, presenciar as crianças correndo atrás dos vagalumes.
E nesse período que as crianças não estão indo para a escola por conta da quarentena, criamos uma rotina onde as envolvemos nos afazeres do sítio: no período da manhã elas nos acompanham nos canteiros, na estufa de plantas, e nos auxiliam a semear, plantar e adubar o solo. Após o almoço, a Luna vai para a soneca, enquanto a Sofia faz as lições da escola. Aproveitamos a “calmaria” para ir para o computador trabalhar nos nossos projetos paisagísticos, cursos que realizamos on-line e textos para colunas e blogs.
Nossa vida no campo é maravilhosa. E ser maravilhosa não é ser perfeita. Esses dias perdemos um canteiro inteiro de mudinhas de pimentas e pimentões para as formigas cortadeiras. Tem dias que não damos conta das demandas diurnas, e precisamos continuar trabalhando à noite, depois que as crianças vão dormir.
Mas mesmo com as dificuldades de conciliar tudo, sentimos que estamos vivendo o nosso sonho e a nossa missão de vida! Celebramos por aqui pequenas as conquistas, como o início da produção do nosso próprio substrato adubado, (antes da quarentena trazíamos de fora) estamos a todo vapor plantando sementes de folhosas, flores comestíveis, abóbora, raízes, tubérculos e frutíferas.
Talvez a maior evolução de todas é conseguirmos perceber e sentir a felicidade nas coisas simples, e dividir essa experiência com as crianças. Me dei conta disso quando observei pela primeira vez, a delicada flor de um pé de mandioca – linda, rosada com tons em amarelo (foto no fim do texto).
Suponho que vocês devam imaginar então a nossa felicidade em colher, após oito meses de espera, as nossas primeiras mandiocas. E para celebrar esse manifesto da natureza, as comemos cozidas, quentinhas, acompanhadas de um café recém passado. É a complexidade do simples sendo vivida no campo. É a vida em meio à natureza nos auxiliando a passar pelo isolamento social com mais tranquilidade e confiança em tempos melhores - e eles hão de vir!
Um forte abraço!
Marilua