Por Giselle Falcone Medina, advogada, Juíza titular (classe dos advogados) e Ouvidora do TRE-AM. Ex-diretora da Escola Judiciária Eleitoral e, por duas vezes, ex-conselheira da OAB/AM
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Conciliar a vida profissional com as responsabilidades pessoais é um dos maiores desafios enfrentados pelas mulheres na advocacia e nas carreiras jurídicas em geral. A dificuldade não está apenas nas longas jornadas ou nas exigências de atualização constante, mas. sobretudo, na ausência de uma cultura institucional que reconheça, de forma efetiva, o valor da mulher que é, ao mesmo tempo, profissional, mãe, filha, companheira e cidadã.
O avanço das mulheres no mundo jurídico é inegável: somos cada vez mais numerosas nas universidades, nas salas de audiência, nas bancas e tribunais. Mas o crescimento quantitativo ainda não se traduziu plenamente em igualdade de oportunidades. A maternidade, por exemplo, continua sendo tratada como obstáculo e não como etapa natural da vida. Muitas advogadas relatam que a gravidez as afasta de processos, audiências e oportunidades de liderança. A ausência de políticas institucionais que contemplem licenças compatíveis, creches acessíveis, horários flexíveis e a divisão equilibrada das tarefas familiares gera uma sobrecarga que, em muitos casos, limita a ascensão profissional.
Não se trata apenas de um problema individual, mas de uma questão estrutural de justiça e equidade. Se o Direito é o instrumento por excelência da igualdade, ele também precisa olhar para dentro de si, para suas instituições e práticas. A valorização da mulher na carreira jurídica não virá apenas da boa vontade, mas de políticas afirmativas, de diálogo institucional e de compromissos concretos com a inclusão.
A conciliação possível passa pelo reconhecimento de que o cuidado com os filhos, com os pais, com a casa e com a própria saúde não é uma responsabilidade feminina, mas humana e social. É preciso compartilhar tarefas, compreender limites e repensar modelos. Nenhum talento floresce sob o peso da culpa ou da exaustão.
Também é tempo de reconhecer que a presença feminina enriquece o Direito, trazendo novas formas de sensibilidade, empatia e escuta. Onde há mulheres em espaços de decisão, há mais diálogo, mais equilíbrio e mais humanidade. Conciliar carreira e vida pessoal não deve ser visto como renúncia, mas como exercício de sabedoria: o gesto corajoso de quem busca viver com sentido, e não apenas com desempenho.
Em última análise, o que está em jogo não é apenas a nossa trajetória, mas a qualidade das instituições que desejamos construir: mais justas, mais humanas e mais conscientes de que a igualdade, no fundo, começa em casa.