Amazônia e o continente africano permanecem sendo tratados por essa limitada noção cuja etiqueta eurocêntrica não silencia
Primeiro-ministro da Alemanha, Friedrich Merz, durante evento no Parlamento alemão (Tobias Shwarz/AFP)
A declaração do chanceler alemão Friedrich Merz sobre o povo brasileiro e os povos amazônicos não é manifestação isolada, deslocada ou “polêmica”, “provocação”, “ironia” entre tantos outros substantivos e adjetivos como designou parcela da mídia. É uma ideia transformada em sistema de compreensão desta parte do mundo e difundida em escala global, incluindo o suporte de intelectuais para mantê-lo.
A Amazônia e o continente africano permanecem sendo tratados por essa limitada noção cuja etiqueta eurocêntrica não silencia, deixa escapar, como o fez o ministro de Relações Exteriores da Alemanha. Trata-se de um crime permitido embora, no Brasil, racismo seja constitucionalmente imprescritível e inafiançável.
Friedrich Merz não fala só. A ideia apresentada, em tempo de avanço do neofascismo, reúne muitos em todo o mundo e tem aliados no Brasil. A Amazônia com “essa gente estranha” provoca os habitantes do shopping global e questiona a “normalidade” de líderes/agentes públicos de países desenvolvidos. Afetados, eles enunciam a barbárie neles entranhada.
Renan Freitas Pinto, em Amazônia – A viagem das ideias (2008), alerta sobre a importância de “mapear, no trajeto do pensamento moderno, as origens das noções que separaram o mundo por meio de noções preconceituosas”.
Há pouco tempo, o ex-presidente Jair Bolsonaro escancarou a sua condição racista: “Conseguiram te levantar, porra? Tu pesa o que? Mais de sete arrobas, né?” (CartaCapital, ano/2022; “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem pra procriador ele serve mais. Mais de 1 bilhão de reais por ano é ‘gastado’ com eles” (CartaCapital, ano /2017).
“Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura. São povos nativos. Como eles conseguem ter 13% do território nacional?” (Campo Grande New, ano/2015). “Pena que a Cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (Correio Braziliense, abril/1998). “Com toda a certeza, o índio mudou, tá evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós (UOL Notícia, ano/2020).
Renan Freitas Pinto nos ensina: “É necessário descobrir e compreender como as ideias surgem, se investem de significação e percorrem os espaços reais e imaginários da vida da sociedade”. E nos etiquetam na estupidez de um chanceler alemão. Para lidar com es tipo de pensamento, temos de reagir ao ataque feito e estudar, conhecer e estabelecer os mecanismos de enfrentamento a tal postura. As ideias viajam, fascinam e moldam nossos espíritos, sonhos, utopias. Esse é, de acordo com Renan Freitas Pinto, o nosso empreendimento do presente e é luta contra o fascismo e o nazismo.