Por Liege Albuquerque; a autora é mestre em ciências políticas pela USP e jornalista com diploma da UFAM.
Lavar louça nessa quarentena tem sido um trabalho de Sísifo para todos. Mas todos desejamos milhares de pias pela frente se pudermos dar graças pelo vírus, no fim (?) disso tudo, não ter atingido ninguém que a gente ama nem em forma de gripezinha e nem fatalmente. Mas quando acaba isso tudo? Com toda a leitura cuidadosa que sempre faço, de sites estrangeiros e brasileiros de credibilidade, a conclusão é que nunca. Que nunca vamos voltar àquele mundo que conhecíamos antes da pandemia do século, em nenhum dos sentidos.
Muitos andarão de máscara até a vacina, muitos não darão dois beijinhos ou apertarão mãos até lá. Muitos sentirão medo das badalações, dos barzinhos fechados, do fumacê das festas e até do beijo na boca. Muitos perderão o emprego. Muitos ressignificarão seus relacionamentos, suas escolhas, seus caminhos, seus modos de consumo e até de viagens.
Nas reflexões diversas sobre como cada um está atravessando esse momento difícil (seja quem está tendo de sair para trabalhar, quem está em home office ou quem está imerso nos trabalhos domésticos antes nas mãos de faxineiras ou empregadas domésticas), a minha específica é sempre otimista. Como sou professora de uma faculdade particular e estou dando aulas online, óbvio que sinto falta do contato mais estreito com os alunos, mas sei que vou sair dessa com cultura tecnológica muito maior. Sim, procuro jogar sempre o jogo do contente.
Minha filha, que está também tendo aulas online, está empolgada com o tanto que tem aprendido nos últimos dias em zoom, Google classroom etc e tals. Aliás, a maioria dos meus alunos, depois de certa resistência, já parece mais adaptada, como tantos jovens do país e no mundo. É um período atípico e sofre menos quem se adapta às mudanças, isso é sabedoria. Há, é claro, os que não tiveram a oportunidade de ter professores e escolas comprometidas em tentar não deixar seus alunos a Deus dará (muitas escolas estaduais e municipais Brasil afora também aderiram às aulas online e por televisão também).
E, sem dúvida, nessa questão, a mais importante de todas depois da saúde, que é a educação, alunos e professores sem computadores, smartphones e acesso à internet nos mostraram o quanto o fosso entre as classes sociais é ainda abissal. Em países desenvolvidos, onde os jovens não tem a menor perspectiva de quando voltarão às aulas presenciais, o não ter computador ou internet não foi um debate. Aqui é, e infelizmente também os que ficaram sem merenda.
Por fim, nessa incrível e mundial carência de hospitais e leitos em UTIs pelo mundo, o nosso capitalismo selvagem vai ter de debater, no fim (?) de tudo isso, a absurda e surreal necessidade de aumentar o papel do Estado na questão dos serviços públicos de saúde. Quem não tem SUS vai clamar por algo similar. E, sem dúvida, projetos belos e compassivos similares ao renda mínima de Eduardo Suplicy também serão pauta também mundial.
Como todo mundo, busco em séries, filmes e livros consolos para esse tempo em que a maior certeza é a louça na pia, mas todos os planos e sonhos de futuro estão em suspense. Achei um trecho singelo de livro de uma escritora russa, Elena Mikhalkova, que é bem o cerne do budismo, de aceitar o que você não pode mudar e (tentar) buscar serenidade e resiliência.
Inspiremo-nos: “ Minha avó uma vez me deu uma dica: Em tempos difíceis, você avança em pequenos passos. Faça o que você tem que fazer, mas pouco a pouco. Não pense no futuro, nem no que pode acontecer amanhã. Lave os pratos. Retire o pó. Escreva uma carta. Faça uma sopa. Você vê? Você está avançando passo a passo. Dê um passo e pare. Descanse um pouco. Elogie-se. Dê outro passo. Depois outro. Você não notará, mas seus passos crescerão cada vez mais. E chegará o tempo em que você poderá pensar no futuro sem chorar.” Mas se precisar chorar, chore, que faz bem. E lave a louça porque acumular é sempre pior. E #fiqueemcasa.