O Oráculo da Compensa

"O fato é que até me provem o contrário, seu Elias é o porteiro mais politizado do Brasil".

Rodrigo Junqueira
Rodrigo Junqueira
26/09/2019 às 23:44.
Atualizado em 24/03/2022 às 21:56

(Foto: Daniel Marenco)

Seu Elias é o porteiro de meu prédio. Um homem simples, risonho, flamenguista doente e com uma paixão secreta: a política. Com o passar dos anos, as conversas rápidas na entrada do Condomínio foram revelando uma visão pragmática, lúcida e sagaz. Bem antes do impeachment, quando muitos duvidavam, seu Elias cravou que Dilma sairia. Antes já havia acertado – com honesta antecedência – o resultado das eleições estaduais aqui no Amazonas, em 2014.

Comecei, então, a chamá-lo carinhosamente de “o Oráculo da Compensa”. O fato é que até me provem o contrário, seu Elias é o porteiro mais politizado do Brasil. Acima de tudo, nossas conversas sempre agradáveis me ensinaram o caminho para beber na misteriosa e preciosa fonte da sabedoria popular.

Lembro como se fosse hoje: as eleições presidenciais do ano passado estavam pra começar. Eu, até então, procurava um candidato de centro-direita, liberal na economia e um pouco mais conservador nos costumes. João Amoedo e Álvaro Dias eram os meus favoritos. Havia uma grande boataria de que Lula, recentemente preso, seria solto por Toffoli, Gilmar e Lewandoski e, amparado numa liminar, concorreria. Muitos juristas endossavam tal possibilidade.

Cheguei em casa naquele dia pensando sobre tudo isso. Na portaria do condomínio avistei seu Elias. Era uma oportunidade de ouro para inquirir o sábio amigo...

- Seu Elias, quem vai ganhar pra Presidente?

- Meu patrão... Bolsonaro – a resposta seca me pegou de surpresa.

- Será? Ele vai ter muito pouco tempo de TV. Todos vão bater nele. Sei não, seu Elias. Sei que ele está na frente, mas vai ser difícil ganhar...  – como se vê, a essa altura do campeonato eu fazia a mesma leitura que todos faziam. A maioria das pessoas comuns não acreditava que Bolsonaro ganharia. Mas seu Elias não é uma pessoa comum...

- O povo tá cansado da violência, meu patrão. Tá muito ruim. As pessoas querem um político que esteja do lado da polícia, não dos ladrões. E alguém que fale o que pensa, que fale a verdade. Ele vai ganhar.

- E o Lula, seu Elias? O que o senhor acha? Estão dizendo que ele vai...

- Vai, doutor. Vai continuar preso!  – e gargalhamos alto!

- E o senhor, doutor, vai votar em quem? –ele fulminou a pergunta, sem rodeios.

- Confesso que ainda estou meio indeciso. Quero um candidato capaz de mudar o país, mas que seja moderado. Sinceramente não sei se isso é possível. Por enquanto estou pesquisando o Álvaro Dias e o João Amoedo.

- Hmmm... Ainda dá tempo de mudar, doutor! Pra acabar com essa bandalheira que está aí, só o Bolsonaro. Agora, moderado, acho que ele não é muito, não... – e gargalhamos alto de novo.

Meses depois, o fatídico atentado! No dia seis de setembro do ano passado, Bolsonaro foi esfaqueado por Adélio Bispo, em Juiz de Fora. Inquieto e já convencido que Bolsonaro era a melhor chance de afastar a esquerda do poder, busquei a voz da sapiência. Aproveitei que ia buscar umas correspondências e fui até a guarita. Quando me viu, seu Elias falou logo:

- Doutor, o senhor viu que quase apagaram o "homi"?

- É, seu Elias, ele escapou por pouco, olha só o estrago! – mostrei a foto da barriga costurada que tinham acabado de mandar no celular... – Quem o senhor acha que mandou matá-lo?

O Oráculo da Compensa coçou o queixo, como todo bom oráculo faz, e disparou enigmático:

- No meu bairro, quando tem morte encomendada, as ordens vêm "tudo" de dentro da cadeia, doutor...

- Então, o senhor acha que... – arregalei os olhos! Ele, sério e pensativo, fez que sim com a cabeça. Um momento de fortes revelações... Quem sou eu pra discutir com um oráculo?

Mais a frente surgiu a campanha do “Ele não”. Uma campanha protagonizada por artistas e que ganhou rapidamente destaque da mídia. Passei na guarita e o vi reflexivo, como de costume. Assim que me viu, com um apelo transcendental (acenou com algumas contas) me atraiu até ele, exatamente como as lavouras de sabedoria atraem pequenos gafanhotos famintos de conhecimento...

- Seu Elias, essa campanha do #Elenão está forte, hein? Os famosos que participam não querem o Bolsonaro de jeito nenhum.

- Mas quem são esses famosos, doutor?

- Daniela Mercury, Bruna Marquezine...

- O Roberto Carlos está no meio? Algum jogador de futebol?

- Não. Aliás, os poucos jogadores que falaram estão com Bolsonaro...

O sábio da Zona Oeste parou, mastigou a bala de menta que eu dei pra ele, e arrematou seco:

- Quem sabe o que o povão gosta está com o Bolsonaro, doutor. Quem veio de baixo e conhece de perto os problemas da periferia também. Os outros tudo bem, "é eles" pra lá, e nós pra cá. Famoso não devolve pra gente o celular que foi roubado no ônibus...

As frases de Elias impactavam e eu percebia que a leitura da vida às vezes é muito mais simples do que parece. Enfim, veio o dia da eleição. Após o resultado desci pra pegar algo no carro e aproveitei pra visitar o porteiro mais politizado do Brasil na guarita. Saudou-me com seu tradicional "Boa noite, meu patrão". Poderia ter tripudiado. Poderia ter dito “não disse que ele ia ganhar?”. Mas, não. Apenas olhou-me de modo calmo, e com um sorriso de Monalisa arrematou: “Agora é que a luta começa de verdade, doutor”.

Vendo o discurso de Bolsonaro na ONU, nesta semana, lembrei-me de seu Elias. Quero saber o que ele achou do discurso. Ontem passei por ele apressado, ele apenas acenou. Um simples aceno de “boa noite” para alguns. Para mim foi mais um “calma, pequeno gafanhoto, calma. A fonte da sabedoria popular jamais secará”.

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