Por Liege Albuquerque (jornalista e mestre em Ciências Políticas)
Não é de hoje que o cinema vai além da imaginação e nos coloca teorias conspiratórias de vírus fatais inventados para dizimar pobres, homeless e imigrantes ou todo mundo logo, num esquema “novo dilúvio porque a humanidade está podre mesmo”. Meu preferido é “Eu Sou a Lenda”, mas já assisti a vários e aqui você pode ver algumas sugestões. Com o coronavírus em avanço real e inegável, essas teorias aumentaram, junto com as indefectíveis fake news de whats app.
Aliás, essa maldita rede social (a mais nociva de todas), que ajudou a eleger dois presidentes despreparados e cheios de amargura, é o pior vírus do século 21, usada para divulgar textos absolutamente sem nexo e sem nenhuma comprovação de fonte junto com a indefectível “não sei quem escreveu, mas eu concordo”, como se a concordância desse veracidade à desinformação muitas vezes mortal.
Maratonei o Years and Years em janeiro, seriado da HBO do ano passado. Chocante e nada distópico, muito real na verdade. De todos os filmes que já vi sobre vírus espalhados na terra, este é o mais propenso à realidade. Lembrei até de uma lenda urbana sobre Carlos Lacerda, de que ele mandou matar mendigos no Rio de Janeiro e mandou jogar na Baía de Guanabara. Pois a fenomenal Emma Thompson faz o papel de uma política sem escrúpulos que cria um campo de concentração nesse esquema. Não vou dar spoilers.
Quando fui morar em São Paulo, no início da década de 90, era raro encontrar um homeless. Já existia a cracolândia, porém downtowns com crack e outras drogas existe em qualquer cidade. Mas nunca que até a década de 90 que você encontraria alguém morando debaixo de uma marquise na Paulista ou nas ruas de Higienópolis, por exemplo. Em Manaus então, quase impossível até alguém sequer vendendo coisas no sinal, que dirá morando em tendas brancas como se estivéssemos no meio de uma guerra (estamos?).
Gente morando na rua hoje é uma realidade mundial, para mim o maior problema deste século. Hoje não há país sem imigrantes zanzando ou morando como dá, nas ruas ou em prédios abandonados. As prefeituras, nenhuma delas, não têm plano a longo prazo algum para o que fazer com essas pessoas. Se não conseguem sequer implantar uma política de castração para diminuir o número imenso de cães e gatos nas ruas, que dirá se sabem o que fazer com tanta gente nas ruas.
Na França fazem como em SP: se o morador de rua está fixo em uma calçada, lhes tomam as cobertas e fazem uma calçada em ladeira para impedir que fiquem ali. Aí eles se mudam para outro espaço, e fazem o mesmo de novo, e de novo. Mas já ouviram falar de algum seminário nacional ou internacional discutindo essa questão por aí? É um calcanhar de Aquiles que todos os governos empurram com a barriga, formulando paliativos que vão de tendas a empregos sazonais. É o incômodo “cheiro de pobre” para esconder nos porões. Assistiu ao “Parasita”?
Penso que além da urgência de pensarmos individualmente em como nossas escolhas do que comemos, vestimos ou consumimos degrada o nosso meio ambiente, assunto atual na moda (ainda bem), precisamos pensar também o que vamos fazer com a superpopulação nas ruas e o crescimento da pobreza em escala mundial. Se eu falar aqui que precisamos focar urgente em meios para diminuir a desigualdade social vão me chamar de comunista e sequer conseguiremos sentar para debater soluções. Então não vou falar.
Mas quero deixar uma semente à reflexão a partir de uma frase de um personagem de Years and Years: “Não temos controle sobre nada futuro, nem sobre nosso hoje. O que te garante que não seja você a estar com uma sacolinha nas costas amanhã, e só aquela sacolinha, a vagar procurando um lugar para dormir?”