Ao mestre Mário Henrique S.D’Agostino (1963-2021).
Por Adalberto da Silva RETTO JR
Mas, hoje, faz sentido falar de um Natal de alegria? Podemos celebrá-lo numa sociedade onde a preocupação de quem já não encontra lugar vago para passar as férias é acompanhada pela aflição daquele que perdeu o emprego? Podemos ainda festejá-lo em um mundo onde há quem prepare comida e bebida para um banquete festivo e aqueles que acumulam armas e tropas para uma ofensiva de morte? Podemos viver o espírito natalino quando há pessoas que, em nome da liberdade, passam pelo “dilema” de escolher entre oportunidades infinitas e outras que nem mesmo são livres para existir e expressar seus sentimentos?
Na atual pressa de introduzir, com regularidade, velhas e novas ocasiões de "festa" – ou mais apropriadamente "oportunidades de consumo" - o Natal guarda a peculiaridade de uma festa cristã que parece mais “festejada com pompa e circunstância” por quem não é cristão. Portanto, não é surpresa que alguns (talvez muitos) elementos que agora caracterizam o Natal em nossa sociedade tenham muito pouco a ver com o significado original dessa festa cristã.
Além disso, o próprio Natal cristão originou-se da apropriação pelo Cristianismo, que se tornou a religião do império, da festa pagã do "Sol Invicto" que se celebrava em Roma: a festa civil que afirmava o renascimento da luz no auge do inverno e o triunfo lento, mas irreversível, do sol sobre a escuridão que parecia tê-lo derrotado.
A igreja, tendo emergido das catacumbas e perseguições, começou a pensar que aquele aniversário era o melhor momento para anunciar a novidade do Evangelho de Jesus Cristo a uma sociedade pagã: uma pequena, quase insignificante realidade, um acontecimento diário - como o sol que o antecipa por alguns minutos ou como um recém-nascido que enriquece de alegria até os pais mais pobres - pode ser o sinal da esperança que renasce, do horizonte que se ilumina e se aquece para derreter o manto de chumbo do céu fechado em eventos de alguns homens.
Talvez não devêssemos celebrá-lo. Porém, principalmente no cenário atual, temos de fazê-lo, porque o Natal nos convida a viver não a alegria momentânea de alguma luz, de um almoço em família e amigos, de um presente que ainda consegue surpreender, mas a alegria de quem sabe que a esperança deve ser para todos ou estará morta; de quem sabe que a paz não é o deserto criado depois da guerra, mas a prática da verdade, da justiça, do perdão, do amor, da liberdade ...
Então o Natal não será apenas uma festa de poucos que fecham os olhos à dor de muitos, mas a "celebração" de uma expectativa muito mais ampla do que qualquer espaço privilegiado: será o vislumbre de esperança que alivia os sofrimentos e angústias de tantos homens e mulheres, será o penhor de uma vida mais humana, uma vida impregnada de relações autênticas e de respeito pelo outro, uma vida rica de sentido, capaz de exprimir beleza e luz em gestos e palavras, ecos daquela luz que brilhava nas trevas de Belém e que deve brilhar, também hoje, em cada coração, em cada lugar envolto na escuridão da dor e do absurdo.
Feliz Natal!