Por Taciano Soares, ator, diretor, produtor cultural, professor universitário, Mestre em Cultura e Sociedade e Doutorando em Artes Cênicas pela UFBA
Os primeiros dias do ano de 2021 têm sido marcados pelas surpresas – nada positivas – com as quais artistas e produtores culturais de Manaus tem se deparado. O que começou com a indicação de nomes que não são nem da prática, nem da pesquisa, nem da docência, a partir do que Teixeira Coelho nos apregoa, ganha um novo capítulo: o raso jornalismo oferecendo seus (des)serviços a favor de um plano contra o trabalho, a trajetória, a profissionalização, o posicionamento e, principalmente, o direito civil sendo exercido na sua potência.
Não nos enganemos. Nenhum ataque à cultura é ingênuo, sem querer ou por acaso. Seja através dos escassos recursos (menos de 1% em esfera federal, estadual e municipal), seja com a inserção dos mais torpes “profissionais” para ocupar lugares onde deveriam prevalecer o alto conhecimento técnico a fim da implementação de políticas públicas ou, ainda, no raso e orquestrado ataque aos pleitos que ganharam publicidade recentemente de profissionais da cultura, através da criação de pautas sensacionalistas, infundadas e absolutamente forjadas na total ignorância sobre o modus operandi do sistema de financiamento à cultura no país nos últimos 30 anos. Vivemos na era do ódio à cultura e aos seus trabalhadores.
Em toda a história, a cultura vem assumindo diversas significações e sentidos. Qual o sentido da cultura para quem assume um posto estratégico tão importante? O que podemos apreender sobre os mecanismos que serão traçados em favor das diretrizes políticas com as quais esse grupo se comunica? Quais as relações possíveis de serem estabelecidas com as figuras que se assentam na nova gestão da Manauscult, por exemplo? A propósito, alguém viu um Plano de Cultura para o Município de Manaus perdido por aí? O Plano de Cultura que fora solicitado à gestão pública municipal, que com assombro desconhecia o documento, seu objetivo e, com isso, chegava de mãos abanando em reuniões setoriais, fora prometido para a semana seguinte em uma reunião que ao ser suspensa soterrou o último suspiro de credibilidade que a recente equipe possuía.
Quando uma jornalista ou um meio de comunicação se coloca à serviço do movimento ficcional de construir um olhar deturpado sobre artistas, produtores e profissionais em geral da cultura, o que isso significa? A validação do fundo do poço? Por que a população é tão facilmente manipulada com matérias com títulos sensacionalistas, conteúdos rasos e omissão de informações? Onde nasce o ódio à cultura? Quem são os agentes sem rostos que orquestram o desmantelamento da cultura, a capacidade crítica do debate entre pares e o desprezo ao trabalho que produtores culturais realizam há décadas?
São muitas as perguntas que surgem após termos acesso ao novo movimento risível que a administração pública municipal impõe nos primeiros 50 dias do ano de 2021. A desinformação e a ignorância criaram palco para uma espécie de tiro pela culatra, ao levantar números aleatórios, extraídos de seu sentido original, emprestando um velho modelo de construção de narrativas politiqueiras, a fim de estimular leitores com pouca capacidade reflexiva contra uma suposta denúncia sobre a aplicação de recursos da Lei Aldir Blanc, debatida exaustivamente ao longo do ano de 2020 e que cumpriu os ritos de aplicação de recursos através da seleção pública de projetos culturais, o que demonstra que mais que à deriva, este barco naufraga na capacidade de compreensão do real funcionamento do aparelho público e do fomento cultural.
O que vemos, na verdade, é mais uma contribuição à informação precária e de baixa qualidade, que distorce o contexto da real informação e confunde, mais do que informa, a realidade dos fatos e, ainda, inflama a população contra a produção artístico-cultural da cidade, sem levar em consideração indicadores culturais de relevância que possibilitem a leitura do cenário como de fato é. Manaus, que habitualmente é vista como o lugar onde o elitismo imperou por tantos anos, dilacerando as condições e o acesso aos recursos públicos como única forma do desenvolvimento cultural em média escala, agora ganha uma nova facção: a dos mentirosos que se enlameiam em troca de palco, esquecendo-se que neste cenário não cabe joguetes políticos em função de algumas moedas, aqui lida-se com histórias reais de trabalhadores reais.
Em momento oportuno podemos falar sobre a história e formação da política de editais no financiamento público da cultura no Brasil e seus impactos econômicos (sim, cultura faz parte do sistema econômico do país!) na sociedade. O que convido à reflexão aqui é como o uso de informações distorcidas sobre os mecanismos que a Lei Aldir Blanc possibilitou aos profissionais da cultura no país estão sendo manipuladas de forma irresponsável; o que fala muito sobre o desejo pelo silenciamento diante das atrocidades que a gestão municipal tem realizado em Manaus, nos últimos dias.
Quem são esses que não olham para os mais de 1.000 projetos contemplados? Onde estão para conhecer a realidade dos artistas e produtores culturais da cidade? Como veem o desmonte que o Ministério da Cultura vem sofrendo nos últimos dois anos, com sua redução a uma Secretaria de forças minimizadas e palco de oportunistas delirantes? O que tem esses mesmos desenvolvido em favor da aproximação entre o cenário cultural e o público? Quais elementos do consumo cultural os mesmos contribuem? O que pensam sobre a formação das identidades culturais na contemporaneidade? Como podemos estabelecer métodos que equilibrem as forças de trabalho, a precarização dos direitos trabalhistas da cultura e criem condições emancipatórias para que tenhamos um dia um mercado cultural de fato em Manaus?
A política cultural não se restringe aos entes públicos, mas pode e deve fazer parte da realidade de todos aqueles que de alguma forma se relacionam e beneficiam das condições e frutos da cultura, isso inclui jornalistas e profissionais da comunicação. Mas para além disso, existem trabalhadores da chamada linha de frente que merecem respeito às suas trajetórias, sua produção, para que então possamos conversar sobre os desafios que o cenário local de fato possui. A propósito disso, podemos começar: Que tal falarmos sobre o oportunismo na (não) política cultural local?