A decisão do STF sobre prisão após condenação em segunda instância impõe um freio ao ímpeto do presidente Jair Bolsonaro e ressuscita a força da esquerda em todo o País
É perceptível. A agenda do governo Jair Bolsonaro incomoda boa parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso mesmo, a reanálise pela terceira vez em dez anos da constitucionalidade da prisão a partir da condenação em segunda instância parece ter ultrapassado uma mera questão “técnica”.
A decisão do STF, na prática, impõe um freio ao ímpeto do presidente e ressuscita a força da esquerda em todo o País no exato momento em que as eleições municipais se avizinham.
Não há outra figura pública, além do próprio Bolsonaro, que movimente tanto as massas como Lula. Ele já prometeu caravanas pelo País e avisou que vai, estrategicamente, morar no Nordeste (fiel da balança em várias campanhas presidenciais).
Fora da cadeia, o petista terá como influenciar na eleição de vereadores e prefeitos de municípios, que poderão ser seus futuros cabos eleitorais em 2022 (sim, Lula está inelegível, mas nada que o Supremo - Dias Toffoli, Gilmar Mendes e cia. - não possam mudar). Coincidentemente, Lula sai da cadeia no momento de maior fragilidade partidária do seu principal opositor.
Enquanto Bolsonaro se despede do PSL da pior forma possível e em meio a uma guerra interna, prometendo fundar do zero um partido, tarefa que não é tão simples, Lula reorganiza o PT, que já tem bases influentes, e sairá em campanha pelo Brasil para, segundo o bicondenado José Dirceu, “retomar o poder”.
Paralelamente, e sem uma legenda para chamar de sua, Bolsonaro perde tempo, força e interlocução partidária nos Estados (no Amazonas, o deputado federal Pablo Oliva, presidente estadual do PSL, está como cachorro que caiu da mudança). Sem base organizada, e com rachas no próprio grupo, Jair Bolsonaro terá grandes dificuldades em ter candidatos nos municípios.
Não bastasse tudo isso, piora o fato de Bolsonaro contar com a antipatia de grande parte da imprensa, que minimiza ou elimina notícias positivas do governo - como a redução da criminalidade, a queda dos juros, o controle da inflação e a retomada na geração de empregos - para alimentar crises em torno das falas do presidente e de seus filhos.
A decisão do STF (que em questão de horas beneficiou envolvidos na Lava Jato, além do ex-tucano Eduardo Azeredo) reavivou boa parte da esquerda. Por óbvio, Dias Toffoli, com seu voto decisivo, sabia dessa consequência.
Em aparição pública, alguns dias após a decisão, o ministro foi aplaudido durante evento com gritos de “Lula Livre”. Ganhou a pecha e não aparenta se incomodar.
Não custa lembrar que Toffoli foi subchefe da Casa Civil de José Dirceu na gestão Lula. Antes, entre 1995 e 2000, foi assessor jurídico da liderança do PT na Câmara dos Deputados e advogado do partido nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006.
Excelente enxadrista, o presidente do Supremo parece ter esperado o timing “certo” para definir o julgamento que derrubou a prisão a partir da condenação em segunda instância. Sequer contou com críticas do governo. Afinal, Flávio Bolsonaro precisa do Supremo.