Com dom inexplicável, fé e saberes tradicionais, Waldyr Vianna curou gerações na Ilha Tupinambarana e tornou-se símbolo da espiritualidade amazônica
Waldyr Vianna exercendo sua missão como curador sacaca, cuidando de um paciente com ferimentos graves (Fotos: Arquivo)
Parintins, AM - “Alô Seu Waldir Vianna / O bem que da ilha emana / Anjo amigo / Alma pura Missionário da luz [...]”, homem simples, descendente de nordestino, devoto de São Benedito, pai de sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres, seu sonho era ser médico ortopedista, mas Deus tinha outros planos para ele: se tornar um médico da fé. Essa é a história Waldyr Vianna, o curador sacaca.
Fé, ancestralidade e devoção unem-se ao cotidiano do povo parintinense, e independente de crenças, torcidas ou bumbás, é unanimidade no Festival Folclórico de Parintins. Na Capela de São Benedito, às margens do Lago do Parananema, conhecemos a história de vida, de cura e de fé de Waldyr Vianna a partir do relato de seu bisneto Sidney Vianna, de 29 anos. Curador tradicional, ele ganhou notoriedade a partir da prática de cura.
A pequena capela ainda hoje guarda a memória do curador. Foto: Daniel Brandão
Filho de imigrantes nordestinos que trabalhavam no campo com a criação de gado, Waldyr Vianna tinha o sonho de ser médico ortopedista, no entanto sem apoio da família, ele desiste do sonho e assume os ofícios do campo.
“Ele também trabalhava com criação de gado. Durante a infância, ele cultivou o sonho de ser médico ortopedista, mas pela falta de apoio da família acabou abandonando esse sonho. Então, ele continuou, assim como seu pai, na lida do gado e do campo, mas o dom se manifestou”, destacou Sidney Vianna.
Curador tradicional e médico da fé, Waldyr Vianna era um exímio estudioso e autodidata de natureza. Símbolo do sincretismo cultural das práticas de cura dos povos originários e das florestas, ele operava a cura a partir do dom, da fé e dos conhecimentos tradicionais e formais.
Com mãos firmes e coração devoto, Waldyr Vianna aplica mais um de seus curativos tradicionais, em gesto que simboliza a fé e o cuidado que marcaram sua trajetória como curador sacaca em Parintins. Foto: Arquivo
Segundo o bisneto de Waldyr, ele não se dedicava somente a aprender a medicina convencional, por meio de um amigo que lhe cedia livros das diversas áreas para estudos, mas se empenhava em aprender outros métodos de cura, de origem indígena, africana, europeia, além das benzedeiras e parteiras da região.
“São métodos que estão presentes no cotidiano de Parintins e ele se debruçava a estudar e a entender sobre a cura, mas isso é um percentual muito pequeno em relação ao dom natural dele de curar”, salientou Sidney.
“Ele curava com fé, com toque divino, com dom. E esse dom ninguém explica.” Sidney Vianna, bisneto do seu Waldir. Foto: Daniel Brandão
A cura operada por Waldyr Vianna passou a ganhar popularidade em toda a região. A partir de reportagens veiculadas em emissoras do estado e de fora dele, a partir da década de 1970, o curador sacaca passa a ser constantemente procurado por pessoas de diversos lugares, que assistiram as reportagens, em busca de cura.
“Muitas pessoas, ao verem as reportagens, começaram a mandar cartas para ele. As cartas tinham um conteúdo extremamente variado. Ele recebia demandas para ensinar remédios ou para curar pessoas, desde impotência sexual, depressão, cura do alcoolismo ou doenças mais cotidianas, como pedra nos rins, diabetes e outras”, explicou o bisneto de Waldyr.
As cartas enviadas, para além de documentação da fé na cura e no dom divino de Vianna, são a comprovação de que pessoas, com as mais diversas queixas e enfermidades, foram curadas ou receberam a cura por ele.
Sendo um homem de fé e católico fervoroso, Waldyr era devoto de São Benedito e fez uma promessa ao santo, caso conseguisse comprar um terreno que fica às margens do lago do Parananema, ele construiria no local uma capela em honra ao santo.
“Ele chegou a construir uma capela em memória e homenagem a São Benedito, como pagamento de uma promessa. Caso ele conseguisse adquirir esse terreno, que fica aqui na comunidade do Parananema, ele faria uma capela em honra ao santo. Isso demonstra o quanto ele tinha fervorosidade”, contou o bisneto do curador sacaca.
Embora sem uma explicação lógica, o dom da cura de Waldyr Vianna era sobrenatural. Relatos orais das pessoas que foram curadas por ele, eram descritos de forma emocionante, apaixonada e fervorosa. Para eles, a cura recebida, transcendeu o físico e alcançou o espiritual.
O legado de Waldyr Vianna permanece vivo não apenas nas memórias e relatos de quem foi curado por suas mãos, mas também no símbolo de fé, esperança e espiritualidade que ele representa em Parintins. Sua história é um testemunho da força do saber tradicional, da devoção e do dom inexplicável que ultrapassa gerações.
“Conhecer o Waldyr é entender o poder da fé que as pessoas têm nas coisas e que elas tinham nele. Ele é um pilar da fé de Parintins, é um pilar da fé no curanderismo, nas práticas de cura da Amazônia e um pilar da fé para as pessoas que acreditam na devoção e na dedicação de trabalhos que são manuais e autodidatas”, concluiu o bisneto de Waldyr Vianna.