Parque das Tribos debate acesso a comida natural com especialista de NY
Comunidade indígena urbana da Zona Oeste de Manaus discute impactos dos ultraprocessados e a falta de políticas públicas; Marion Nestle participa do encontro.
Debate sobre alimentos naturais passa pela ancestralidade indígena (Foto: Junio Matos)
A comunidade do Parque das Tribos, Zona Oeste de Manaus, recebeu um debate sobre insegurança alimentar nesta quarta-feira (26). O foco do evento foi o acesso à comida natural e teve a participação da professora de nutrição Marion Nestle, da Universidade de Nova York.
A região possui a maior concentração de indígenas não aldeados no Brasil e enfrenta um desafio considerado invisível para o restante da sociedade por muitos dos moradores, a dificuldade de acessar alimentos naturais. A ativista ambiental Wanda Witoto, diretora executiva do Instituto Witoto, um dos responsáveis pela roda de debates, explicou que a comunidade sofre as consequências da falta de planejamento social e que isso influencia diretamente na perda de costumes dos povos originários, afetando, inclusive, na alimentação.
“A nossa população, por ter território limitado não tem roça, não tem terra para plantar, nesse contexto urbano. Não é fácil acessar os nossos alimentos ancestrais, banana, macaxeira, pupunha, tucumã… a gente, que está na cidade, paga muito caro para comprar e isso é uma grande violência que a gente sofre”, comentou.
Nesse contexto, o consumo de alimentos ultraprocessados é a preocupação porque eles ganham cada vez mais espaço na mesa dos moradores do Parque das Tribos.
Eles são, em geral, mais baratos do que os produtos naturais, contudo, exemplificam a velha máxima do “barato que sai caro”. A nutricionista Beatriz Castro Barbosa contou que os malefícios ganham mais intensidade para crianças, porém, afetam a saúde em todas as faixas etárias.
Marion Nestle veio a convite da ativista Vanda Witoto
“Uma alimentação industrializada pode provocar doenças como diabetes, hipertensão e câncer. Crianças de oito, dez anos, podem adoecer de enfermidades que, antigamente, você só encontraria em pacientes de 60 anos, mas hoje você encontra em pessoas de 30 anos”, relatou.
A escritora e professora emérita da Universidade de Nova York, Marion Nestle, está em turnê pelo Brasil e é uma das autoridades mundiais em nutrição. Ela afirma que existem dois grandes desafios na busca pela segurança alimentar. Os ultraprocessados são feitos para serem atraentes e as indústrias gastam muito dinheiro em marketing para que eles ganhem cada vez mais espaço no prato das pessoas. Segundo ela, para mudar essa realidade é necessário que as discussões em torno do assunto sejam mais diversificadas e compreendam a realidade e demanda de cada uma das regiões afetadas.
Pesquisadora norte-americana veio pela primeira vez a Amazônia
“Estou aqui, na Amazônia, pela primeira vez, é uma parte do mundo que nunca vi e eu tô aqui para aprender mais do que dizer para as pessoas o que fazer. Estou aqui para aprender sobre como essas pessoas se sentem a respeito destes problemas e o que eles mesmos pensam que podem fazer”, disse.
Na busca por soluções, a própria comunidade já se organiza em projetos que valorizam a segurança alimentar e a qualidade dos alimentos naturais, até mesmo como a manutenção das tradições dos povos originários com a “Casa de Conhecimento Ancestral” e a “Cozinha Boca da Mata” que atua especialmente com os mais jovens. Mas ainda falta apoio do poder público e as lideranças indígenas esperam conseguir mais visibilidade através de programações como a desta quarta-feira.
“A gente busca fazer essa discussão dentro do nosso território para tentar sobreviver diante dessa vulnerabilidade, da falta de políticas econômicas para as nossas populações. Esse diálogo é muito importante porque quando se tem território, se tem saúde”, complementou Witoto.